quinta-feira, 6 de novembro de 2014

"Eu não sou daqui, eu não tenho nada...quero ver Irene dar sua risada"


      Ninguém há de negar que os tempos são outros. Hoje, temos a grande rede mundial de computadores estabelecendo conexões e criando grandes canais de comunicação em velocidades virtuosas e com um alcance sem precedentes. Até aí, nada de muito novo para seres humanos da chamada geração Y. Eu diria que, especialmente, para aqueles na faixa etária até os vinte anos de idade ao menos. A questão é que o livre acesso à informação e o tráfego alucinante de dados cria e fomenta uma real e palpável revolução na maneira a qual nações comandam seus destinos. Em especial nos países livres e de estabelecidas democracias vigentes, por mais infantil que possam parecer. Como é o caso do Brasil.

      Não é mais possível controlar, definir, regular ou determinar a vontade de um povo e como isso se isentar da inerência e da contingência que o momento traz na medida em que a democratização do acesso dá aos cidadãos comuns, digo, não tão comuns assim por agora estarem armados até os dentes com mouses e telas sensíveis a toque e dispostos a clicar ou dedilhar freneticamente e sentirem-se em pé de igualdade com os seus pares mais distantes num imaginário do passado. Tendo em suas mãos o poder de realizarem aquilo que jamais um dia houveram concebido. O poder e a autonomia de emitirem opiniões das mais plurais e se fazerem ouvir que lhes deu, quer queiram quer não, a possibilidade de coletivizarem-se e organizarem-se em grupos que passam a legitimar os seus anseios e suas vontades ante a opinião pública geral em torno de objetivos em conteúdos em comum.

      Alguém aqui com mais de quarenta anos um dia imaginou que um dia existiriam grupos coletivos de discussão, não à toa chamados de fóruns, em tempo real? Alguém aqui um dia imaginou aquela notícia de primeira página de um jornalão poderia ser curtida e repercutida com comentários, réplicas e infinitas treplicas num interminável ciclo e se propagando até o esgotamento de argumentos ou até a escassez ou ignorância (propositada) dos mesmos e tudo isso em tempo real sem ter que sair de casa e ir até a banca de jornal mais próxima e pagar pela versão impressa do “conteúdo”? Até poucas décadas atrás estes “articulados” e “bem informados” leitores, parcela minoritária da população dos grandes centros, diga-se de passagem, deleitavam-se no “direito”  e sob uma condição sócio econômica diferenciada que tinham para, como um time de futebol que joga com o regulamento debaixo do braço numa partida decisiva de mata-mata, discutir os rumos daquilo que teoricamente seria melhor para o bem da nação. Tomando uma gelada nos botecos da vida boêmia, no conforto de seus lares em almoços e jantares e até mesmo em seus locais de trabalho ou grupos de discussões de gente “intelectualizada”. Como se o real intelecto de um sujeito se desse à sua iteração acerca das coisas da nação.

      Às massas, sobrava a televisão que, considerada até os dias de hoje como a precursora das babás  eletrônicas, tratava (e ainda tenta tratar) o povo com homeopáticas e friamente calculadas doses de controle mental e “intelectual” como se o povo ainda fosse um bebê na sua eterna e pueril condição infantilizada e eternamente catatônica como macacos de laboratório em sessões de lobotomia. Não menciono aqui o rádio que, apesar de ainda estar aí “firme” e não tão forte como já foi um dia, foi subjugado como meio de comunicação de massa pela tecnologia televisiva no despertar da segunda metade do século passado. O rádio é aquele velho gagá que teima em estar aí. Representa uma parcela da população que ainda idolatra múmias da política que já se encontram com o pé na cova e, no entanto, teimam em não morrer para dar espaço aos mais novos.  Ainda respira sem ajuda de aparelhos e assim como as ondas de rádio produzem alguns ecos e alguma ressonância, ainda que pequena.

      No aflorar deste, ainda novo, século e ainda antes da metade de sua segunda década de vida a Internet está para a televisão e para a mídia escrita como ambos estiveram para o rádio e a telegrafia um dia. O despertar das novas primaveras eletrônicas é real e imediata. Sinal (via wi-fi) dos novos tempos, de novos canais de comunicação e de bilhões e bilhões de “antenas” que hoje se conectam e sintonizam quase que somente aquilo que bem entendem. Digo quase porque, a despeito de tamanha liberdade, estas bilhares de antenas (entenda-se por pessoas caso ainda não tenha percebido) curiosa e paradoxalmente, também ainda se comportam como bebês abrindo os olhos pela primeira vez. No entanto, a fase dos olhos abertos já passou e com ela as primeiras “mamadas”, as primeiras “fraldas trocadas” e as primeiras noites mal dormidas de seus pais.

      O interessante é perceber que agora vamos caminhando para o momento em que estes bebês, agora já bem alimentados e melhor cuidados, começam a querer engatinhar e daí para os seus primeiros passos meus amigos, com o perdão do trocadilho, é apenas um pulo.
O que assusta aos vovôs da mídia, caquéticos em seus radinhos de pilha e controles remotos à mão, é perceber com qual vigor e com tamanha vontade com que seus “netinhos” se dispõem a caminhar, reconhecendo em seus pais a tutela e a orientação sobre qual rumo tomar e com estranheza em seus olhares constatando em seus avós caricaturas cômicas e já invalidadas de si mesmos. Para ser bem honesto, ignorando a existência destes seres antigos que, assim como as múmias políticas ainda fazem algum barulho, mas que não passam do eco de suas mais exauridas e desgastadas vontades, perdendo a voz, a autoridade e se transformando em figuras de semblante cansado esgotando seu período de participação efetiva na nova jornada daqueles que vêm chegando com todo o gás para criar novos modelos.   No caso de alguém que ainda precise entender certas analogias do texto (e não me surpreendo que ainda o existam), o povo aqui é o bebê, os vovôs são a mídia e as antenas individualizadas é você!

      É um tanto quanto triste ainda em 2014 ter que assentir com o fato de que se deve respeitar a presença nefasta de uma parcela dormente da população, que dorme um sono sem sonhos e, repete, noite após noite, o mesmo ritual de acordar na cegueira que a impossibilita de ver a beleza do nascer de um novo dia. A regulamentação das mídias e a participação social na fiscalização desta classe legislativa infestada de ratos corporativistas, que exercem o desavergonhado e desvairado protecionismo das pouquíssimas famílias que controlam as emissoras de rádio e televisão, bem como os editoriais espúrios dos grandes jornalões e editorias semanais, se faz necessária e urge nas ruas a cada com mais ênfase e força. A cada novo movimento, como um bebê que tateia o terreno ao seu redor, olhando de lado para se sentir seguro e continuar a engatinhar mesmo que ainda girando em torno do próprio eixo sem saber ainda por onde prosseguir, porém, certo de que o caminho natural os levará a encontrar, acontecerá o impulso necessário para dar o tal “pulo do gato” e daí a caminhar com as próprias pernas num longo caminho pela frente.

      E isso tudo só me faz lembrar Irene que, quando eu tinha lá pelos meus cinco anos de idade e mal sabia limpar a própria bunda, veio do Ceará pra São Paulo em busca de uma vida melhor e calhou de ser “alugada” pela minha mãe para cuidar de mim e de uma irmã. Irene não tinha muitos direitos, a não ser aquilo que ela conhecia em seu repertório. Irene ganhava um pouco, (bem pouco) de dinheiro pela missão que aceitou. Irene dormia num quartinho-banheiro de 1.5 x 2 metros e lá dentro ainda tinha uma privada e uma pia para atender às suas necessidades fisiológicas. Irene tinha vinte e poucos anos e mal sabia ler e escrever. Irene engravidou em com ela se foi o emprego. Irene foi morar num barraco. Irene foi traída e abandonada pelo “marido”, se é que podemos chama-lo assim, mas isso não vem ao caso, pois, o pobre, assim como Irene, era de pouca instrução. Irene baqueou, mas não caiu. Irene ergueu a cabeça e foi à luta. Irene venceu e hoje em dia sua filha já é mulher. Hoje, Irene pode dar sua risada e, todas as outras Irenes, por lei, devem ter condições dignas para trabalhar bem como seus direitos garantidos como FGTS, 13° salário e por aí vai. Ah, sabem o vovô? Vovô foi contra as conquistas das Irenes de hoje. Vovô é contra tudo que representa o novo e que dá liberdade de insurreição do povo. Vovô, pelo que sei e daquilo que me lembro, tem medo do Comunismo.

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